Poesias 

ILHA
Nômade é minh' alma,
náufraga e sem rumo.
Coração embalsamado,
uma ilha alheia a tudo.
Pelo horizonte tragada,
em nenhum mapa apontada,
por milhas e milhas esquecida...
Mas em seu solo habitada,
por miríades de espécimes raras...
Faúna e Flora Magníficas

INTEIRO
Percebo-te em mim
Recebo-te assim, como quem não quer nada.
Reparo-me em ti...
Observo-te ao largo, cerco-o de soslaio.
Espero o porvir...
Imanto-o, aqui, dentro do peito.
Seguro o amuleto,
quero as suas mãos mais perto,
quero que o tempo seja lento!
A sua melodia já não me importa tanto...
Já não atento à sua arte, mas a sua fala mansa,
o seu olhar que me procura,
o seu jeito que me encanta...
Quero esbarrar nos seus gestos,
quero te falar de coisas densas,
Quero que nossos corpos se conheçam,
quero te encher de mesuras, delicadezas.
Quero-te como um presente,
algo totalmente inesperado,
uma mútua surpresa!
Quero decifrá-lo, encorajá-lo, entretê-lo,
Quero ficar horas te consumindo,
quero seu coração frigindo,
em meu leito.
Quero-te por inteiro.

O SOL

De frente pro sol,

Desvendo a vida.

Depende a sorte,

Desprender-se de cada ferida.

De fronte pro leste,

O cabra da peste sempre persiste.

De pé, à boreste,

Não deixa que o vento o arraste,

Se enverga, se empertiga.

No meio do agreste, não se avexa,

Se mexe, remexe,

Se ajeita, se estica.

No colo da noite, do lado da foice, debaixo da ponte,

Se aconchega, se amiga.

A porta se abre pra aquele que bate.

O fogo amolece o ferro, na fornalha.

A fala do sábio está nos lábios de quem cala.

O céu é o limite pra todo aquele que o escala.

CALMARIA

Meu coração palpita,

Minh’alma se agita,

Minha pele arrepia,

Meu andar paralisa

Meu olhar, quase sempre, desvia

Pra não mostrar a clara sintonia,

A fragilidade que permeia e guia

A emoção do amor, nos primeiros dias.

Uma dúvida renitente, sempre persiste:

Será ilusão ou delírio,

Premonição ou destino,

Realidade ou euforia?

Será, finalmente, o tempo da calmaria?!

 

UM ARCO-ÍRIS NO MAR

Tento encontrar o seu rastro,

Na luz da lua cheia,

Que brilha faceira,

Por entre as ondas do mar.

Tento levar o meu barco,

Na direção desses marcos,

Nesse lume que se esgueira,

Ao horizonte que aponta,

Sem ter aonde fitar.

Tento aprumar o meu rumo,

Na busca de um porto seguro,

Que sei estar a me aguardar.

Tento avistar-te por um segundo,

No meio de tudo,

Que está ao meu redor.

Só que estou num oceano, bem profundo,

Náufraga, no fim do mundo, a te esperar.

Resgate-me deste passeio,

Pois fostes o artífice desse devaneio,

Que se superpôs, em mim, sem me consultar.

Imputo-lhe essa providência,

Afeta-lhe essa competência, por me cativar.

Não declines de presenciar, entre o sol e a chuva,

Um arco-íris que se nos pronunciará!

 

SUN SET

I’ve been loosing my breath,

I’ve been changing the taste of my mouth.

I’ve been dreaming with your face,

I’ve been squeezing my chest, everytime the sun set in the nightfall.

Please, don’t let me this way.

I’m sure, for god sake,

The wind is conspiring with us.

Nature is blowing our love.

 

 

A ROCHA

Aquela rocha...

Tão firme e inerte,

Tão indiferente e omissa.

É como me sinto,

Quando te avisto.

Feito uma paralisia

Que me acomete

E embota todos os meus sentidos,

Diante do desconcertante que se precipita.

A sua lisura me comove!

Serei eu merecedora de tanta mesura?!

Tudo que sonhei se pronuncia na sua figura.

Tudo que esperei, a vida inteira, resolvido.

É nessa força que me apego.

É nessa firmeza que me espelho.

E espero, sinceramente, que as suas mãos sintam

O aveludado limo que adorna

Toda pedra,

E, pacientemente, se forma,

Ao conservar seu prumo.

Distinto

Para mim, um homem verdadeiro

Vê uma mulher como a sua companheira,

A quem dará a mão, no suspiro derradeiro

E lhe dará o colo, a sua sombra, o seu espelho.

Que respire o seu fôlego, que alise a sua pele.

Que, jamais, nunca a abandone...

Que lhe dê o seu sobrenome, que se curve aos seus apelos.

- Será que ainda existe esse distinto cavalheiro?

 

CORAÇÃO ANSIOSO

Coração a míngua,

Coração partido,

Coração sem dono.

Coração acanhado, amuado, manhoso.

Coração apertado, livre, maneiroso.

Coração alvejado por um preciso dardo:

Um outro coração ansioso.

 

The Mirrors of My Mind

Where are You?

Why did you disappear?

I am looking for hearing your voice in my ears.

How is everything?

What are you doing now?

How it would be grand to hold you in my arms.

How it would be wonder to see you beyond the mirrors of my mind.

How it feels me so lonely to be far from your heart.

What’s going on?

Don’t leave me alone. Don’t leave me alone!

Let me take care of you kindly.

 

Eta, nós!

Estamos no meio de um engradado de almas.

Na ponta da foice, as mãos de alguns, duramente calejadas,

Pelas madrugadas, os bóias frias, nas curvas sinuosas das estradas,

Das boléias descem os sonhos, morro acima, morro abaixo...

Num país do agro-negócio, das ceifadeiras, dos latifundiários,

O valor do homem se mede na cotação das comodities.

O matuto nem sequer desconfia que o preço do seu dia,

É menor que o pingo do suor, que escorre em sua face.

Quando nós, os letrados, instruídos, envergonharmo-nos

De tamanha indiferença, no trato aos nossos pares,

Com a hipocrisia de ouvirmos todos os dias,

O noticiário do milagre das nossas superavitárias safras.

É tempo de alimento! É tempo de bio-energia!

É tempo de meio-ambiente! É tempo de orgia!

Das elites, dos eleitos, aos desvalidos, aos celeiros –

Precisamos de um grito, urge-se um pleito:

Ao homem do campo, o seu quinhão de respeito!

Eta, mundo; eta, roda moinho;

Eta, debulho de milho; eta, queijo no qualho!

Etanol! Eta, nós, nos trópicos!

Ao sabor do vento dos canaviais!

 

ALTAS HORAS

Já se vão altas as horas.

Passaram-se as esperanças,

Retiro-me agora.

Saio de cena com uma triste trilha sonora.

Mas bela, por ser sincera, sempre: verdadeira.

Quantos, em sã consciência, podem se olhar além do espelho

E ver um lindo enredo, mesmo que ilusório?

Quem ainda consegue perceber

Alguém que te faça por merecer,

Sem julgar as aparências?

Qual o personagem que se rende

A um melancólico happy end,

Sem aquela mão que o acalente?

Escravos os que perecem na busca do prazer.

Felizes os que padecem da fome do saber.

Sábios os que saciam a sede de viver.

 

CORAÇÃO ALHEIO

Amo-te, sim, sem pena.

Arrisco-me cotidianamente.

Jogo-me, assim, cegamente,

Como num trapézio, com uma venda,

Na certeza de ser amparada em sua rede.

Fico noites e noites solitárias,

A espera de um telefonema,

Um clamor, um simples aceno, um chamado...

Inúmeros poemas.

Até quando meu peito se conformará

Em não reverberar

As batidas de um coração alheio? 

 

NA SUA PRESENÇA

A beleza se pronuncia,

Na natureza que se anuncia,

Com as suas múltiplas facetas.

Nas glaciais geleiras,

Nas tórridas areias,

Das paisagens desérticas.

No verde das videiras,

Nos abismos das falésias,

Dos mares do nordeste.

Mas no meu íntimo se esmera

Na busca de águas serenas

E planícies de trigais dourados;

De noites de lua cheia,

Com ares amigáveis,

Uma brisa que assobia minha pele.

Um chalé, nos Alpes; uma lareira;

Um sapé, de folha de bananeira.

Por onde tu estejas,

A premissa de tudo:

Na sua presença.

 

DECLARAÇÃO DE AMOR

A luz do sol me alumiou,

A sombra da lua se espraiou,

No brilho dos olhos que se derramou, por ti.

A sua presença se esparramou,

Num leve deslize que me entregou,

No largo sorriso que se deflagrou, em mim.

Aquele pequeno nó se desembaraçou

No peito de um possante trovador,

Que logo, uma notável nota entoou:

Um dó de jeito avassalador!

O cântico dos Deuses se esboçou.

Um suspiro de esplendor!

Enfim...

Uma declaração de amor!

 

Weekend

In this rainy and lonely weekend I miss you.

In my dreams I kiss you.

Why such kind of wishes?

Shall I insist them?!

Your definitive absence shows me:

You are distant or

You are fighting against

What you don’t want admit

- We are falling in love

Why do we resist it?!

 

NO BAR

Quantos bêbados sóbrios,

Tantos poetas atrozes,

Quantos solidários a postos,

Tantos carinhos sem dono.

Tantos infiéis triunfantes,

Tantos suspiros arfantes,

Tanto as mulheres, quanto os homens,

numa penumbra deslumbrante!

Quanta palavra ao vento,

Tanta polêmica, quanto argumento...

Mas nada disfarça o lamento,

do amanhã, sem o parceiro.

O que queremos nós,

Senão, tão somente?!

Um fiel e ardente companheiro.

 

EMAIL

Escrevo-te esta missiva para dizer-lhe o quanto me és precioso,

O quanto desperta em mim um sentimento curioso,

Que, ultimamente, já não mais o pressentia.

O que o carteiro representou um dia,

O email substituiu-o, por inteiro:

Em cada janela, uma lânguida procura,

Anseio por ver seu amor em minha tela...

Podemos colorir essa expectativa,

Com pincéis e um arco-íris esplendoroso.

Que ironia! A alta tecnologia, quem diria?!

Servindo aos nossos sonhos, seculares, de outrora...

 

A LUA

Hoje, a lua nasceu em mim,

Quando o sol se escondeu, enfim,

Com a sua ausência.

Logo o sono me abriga, assim

E os sonhos, contigo, aqui, me acalentam.

Sinto cheiro de jasmim,

Um jardim de rosas a conduzir

A uma linda cena:

Uma carruagem a nos servir,

Um paraíso a nos reluzir,

Com os seus emblemas.

Será demais alguém se nutrir,

Da perseverança que teima em insistir,

Na simplicidade de uma felicidade plena?!

 

Ter-te

Canto um remanso em meu peito.

Peço um recanto em seu leito.

Passo pelo canto, tento um jeito,

De ter-te por pouco tempo,

Mas, sempre pronto, eleito.

Por um pernoite, que seja!

Um pulo afoito, desejo!

Procuro-te em todos os becos,

Fecho o cerco,

Mas foges...,

Com a destreza de um cervo.

Por que o esmero em esconder-te?

Do que foges intencionalmente?

Que espelhos podes desencantar?

Que labirintos temes desencadear?

Que semblante receias esboçar,

Ao despojar-se plenamente?

Qual é o problema?

Ver-te, finalmente?!

 

A SUA ALQUIMIA

Penso em ti, quero-te, aqui, comigo.

Sei que precisas de mim.

Sinto um aperto,

Sigo-te de perto,

No meu pensamento.

Por que teimas em fugir?

Por que tentas resistir aos meus apelos?

O que achas que vai encobrir?

Porque tudo que está por vir só tem um dilema:

Só me resta descobrir a sua alquimia...

Amo-te perdidamente!

 

Tergiversar

Tento fingir um sentimento,

Tergiversar o momento,

Tento fugir dessa tormenta,

Por não te ter ao meu lado.

Temo me escravizar lentamente,

Acostumar-me a sua ausência,

Olhar o mundo vagamente,

Sem o brilho dos enamorados.

Como posso seguir adiante,

Com esse fardo nos ombros,

Se o que me pesa é tão somente

A leveza das minhas mãos vazias?!

Como posso me ver daqui pra frente,

Desencorajada, descrente,

Sem a esperança de, dia a dia,

Ver-te em mim ancorado?!

 

O Ancião

Nos modos brandos, um ancião.

No olhar atento, a águia de plantão.

Nas palavras sábias, um exemplar cidadão.

Na prosa, um vespertino como tal.

A proeza de certas pessoas,

Vai além das suas conquistas,

Está na maneira como persiste,

Em auscultar os corações.

Essa é a melhor medida,

Para uma longevidade cumprida,

Que a nós só nos resta ser seguida,

Pelos seus herdeiros de sangue, de fé e de emoção.

 

POENTE

Feito o sol agonizante,

Que se esconde atrás do monte,

Minha alma no poente,

Sábia hora de ir embora.

Desfaço-me dos meus segredos; Despojo-me dos meus desejos.          

Vejo outros horizontes, cruzo os dedos!

Peço que me protejam...

Que me tirem da memória os seus olhares;

Que me tragam outros belos personagens,

De um novo hemisfério.

 

OLHOS NEGROS
Olhos negros da cor de um mar distante
fixou-se ao meu olhar cooptado
por uma fagulha de sentimento inebriante,
num exíguo espaço de tempo deflagrado.
Fotografei seus gestos na memória,
mas o em torno da sua face me escapa,
resta-nos saber se esse instante
se preponderá ao curso dos fatos:
duas almas equivalentes e mundanas,
num emaranhado de seus próprios embaraços,
delineando o tamanho de seus sonhos,
no compasso descompassado de seus rastros.
Como uma metade na ilusão do todo,
onde tudo se deslumbra a nossa volta,
menos o imponderável impulso mais profundo
da felicidade insinuando-se a nossa porta.

O Grito
Ouço os meus próprios sons.
Não suporto outro ruído.
Estou plena de sentido,
com o que vem do coração.
Irritam-me os barulhos.
Tênues estão os meus ouvidos.
Escuto a cadência dos meus suspiros,
ávidos de ti.
Soletrando em sílabas,
sussurro o seu nome.
Moldo na mente a sua imagem,
um homem que está por vir:
com os seus lábios pronunciando-me,
com suas palavras acariciando-me,
em minha nuca insinuando
o grito contido em mim.

Avalanche
Embaraçada estou com o que sinto.
É feito um ópio, um desatino,
um espelhado labirinto,
que me transtorna, me alucina.
Estou eivada, despedaçada,
despida de todas as forças.
Julgava-me incólume, imaculada
desse sentimento que me domina.
Uma teia brilhante e espessa,
que fisgou todos os meus dias.
Uma enorme fortaleza,
que me aprisionou, sem saída.
Uma avassaladora avalanche:
pegou-me desprevenida!
O que será que motiva
a mudança dos ventos,
de uma morna calmaria
a uma incontrolável tormenta?!
Só um coração cigano,
pra compreender esses momentos...
Um estalo, um desvario,
um sonho materializado...
Um clamor aturdido.
Um amante felizardo,
com a pólvora na mão, um fósforo e um pavio.

NOTA PROMISSÓRIA
Quero me despir de medos,
Estar plena, inteira.
Sem falsas aparências,
Sem modelos, piquetes ou etiquetas.
Quero sair do banho sem receio de estar feia.
Ao vestir uma camiseta, ser chamada de princesa.
Ser humana, emanar o teu cheiro.
Ver-te irmanadamente em minha cama,
Tirar-te o fôlego antes,
Surpreende-te durante,
Acolher-te em meu seio.
Quero me dar-te como a mim mesma.
Pingar em gotas as lágrimas do meu corpo.
Ofertar-me a ti sem desespero:
Com a calma dos anjos;
Com uma fúria espartana;
Com a permissão dos deuses.
Quero estar a postos,
Prestar socorro aos seus anseios.
Uma nota promissória,
impressa na pele, de posse dele:
Sem tempo de vigência, sem prescrição, nem período de carência.
Quero um amor verdadeiro.

 

CEGOS
Do brilho ofuscado de um olhar aberto e triste
à alma profunda e densa da escuridão cerrada, plena e magnífica,
ecoam vozes, sons, impressões e sinos...
Afinidades múltiplas!
Cordas afinadas de um violino
Atentos aos passos, às pulsações, olfato, ao ritmo.
Ao tato, aos gestos, aos sinais dos lábios,
ao risco...
de serem tragados
pelo inesperado dos fatos...
Afetos à vista:
do dono de uma visão atada
dos olhos de um coração fadado
a uma cegueira absoluta!

ESTA CIDADE
Cada dia nessa maravilha é um dia de ação de graças.
Ao favelado ou ao privilegiado
ela sempre os recepciona
com toda graça soberana
de quem do berço se sacia,
com a abundância que principia na Baía de Guanabara ao topo de todos os seus picos.
Colírio d'alma, capricho dos Deuses.
Espelho d'água, reino de duendes,
refletindo-se em cada gesto amigo ou num simples sorriso de seus cidadãos.
Do Rio Carioca para o resto do mundo: aprendam a lição.

A BOLA
É tempo de Copa!
E a bola rola,
como a vida embola...
Às vezes de posse dela,
às vezes, pra fora,
às vezes na trave,
às vezes, resvala.
No meio, em cheio,
na lateral, de escanteio.
Por cima, por baixo,
no calcanhar, que feio!
Na busca do espaço,
milhares de passes:
em falso, no salto,
na ginga, no braço.
No campo minado do adversário,
No passo ensaiado do comparsa,
no pito do apito do árbitro,
no grito insandesido da arquibancada.
Da morte súbita à vitória,
da hora do pênalti, à derrota.
Na prorrogação ou no meio,
o importante é estar treinado.
O que importa é estar no jogo,
em cima, entusiasmado.
De pé em pé, no embalo
a bola estará sempre no estádio.
O fundo da rede é a meta,
o suor, a sua escada.
No empate, ou desempate,
o melhor é correr pro abraço!

SOLIDÃO
Ano após ano, te amando,
Sem me dar por conta.
Enlaces e desenlaces, camuflando-o,
Há tanto tempo!
Tanta destemperança...
Quanta extravagância!
Copos e taças na mão, brindando meu desalento,
Palácios suntuosos, festejos permanentes.
Por isso eu canto,
Por isso escrevo.
Solidão, minha alteza.


ALMA BRASILEIRA
O fato é que não se foge da gente mesma.
O marco principal é o nosso eixo.
Nem idiomas, nem revoluções,
nem salários, nem padrões
nos eximem de nós termos
um jeito seresteiro de ser,
o modo lisonjeiro de ver
a alma brasileira e todos os seus senões.


PRIMAVERA
Cada vez mais forte, essa dor inerte hiberna em meu corpo.
Descaradamente disfarçada, escarna em postas todos esses anos
de desvios profanos, insanos, obtusos.
O destino me colocou naqueles braços, de maneira branda, com a leveza de uma
pluma.
Ignorei o seu recado e tirei-os dos meus ombros, de maneira súbita.
Infame atitude! Mas, não conformado, o acaso engendra uma das muitas das suas.
Hoje, sem nos tocarmos, estamos num grande emaranhado a nos descobrirmos.
Continuamos cegos, contrariando os fatos, nos embaraços cotidianos e diuturnos.
Quando acabará esse longo inverno
e esse sentimento aporte num jardim coberto
de uma primavera impoluta e infinda?!

Finados
Findáveis estamos.
Fadados ao abandono.
Cárceres dos sentimentos.
Mártires de nós mesmos.
Almas no purgatório,
das nossas experiências.
Sonhos submersos,
no meio da grande tormenta.
Desejos embalsamados,
num sarcófago, muito bem guardado,
por camadas de solo espessas.
Meu coração, minhas algemas.


ESPELHO
Um dia, você conseguiu ver na minha fronte o seu reflexo no espelho
Eu... não via nem a ti e nem a mim mesma.
Quanto desacerto, Que desvario!
Incapaz de reconhecer-me perante as suas evidências...
Atesto, aqui, minha irrefutável incompetência.
Mereceria a pena máxima:
passar o resto dos meus dias num frio calabouço.
Mas resta-me a súplica da indulgência:
um abraço apertado, um olhar embalado
pelos nossos sonhos, corações e mentes.

PERFUME
Não houve nem haverá no mundo
sentimento mais profundo nem mais perene.
Tudo em você me era impreciso,
mas o aroma do seu perfume embriagou minha vida inteira,
inebriando o sentido de tudo,
monitorando o meu destino,
tornando-me refém do meu próprio infortúnio...
Carimbando em minha história a sua assinatura,
perpetuando em minha memória
fragmentos do que teríamos sido,
escrevendo nas madrugadas
uma ópera solitária de um personagem sem prumo.


BALA URBANA
Bala bolada de um cano sujo,
nas mãos de um pé descalço,
das mentes dos poderosos aos guetos dos moribundos.
Varam varandas, carros e transeuntes,
em devaneios noturnos e diurnos.
Impetuosos projéteis costurando os mundos,
com suas belas estórias de um terceiro mundo:
cinematográfico, perplexo, obscuro.
Sem distinção de classes,
apedrejando trajetórias,
açambarcando os lares,
dos barracos e das coberturas.

NA CONTRA MÃO
Fico rodeando a volta de mim mesma, procurando a fragrância de tempos idos.
A sua sombra se espraia nos meus sentidos!
Cada vírgula dos seus gestos me inebria
e me faz transpirar, gota a gota, os meus suspiros.
Amamos alados, sofremos ilhados, agonizamos velados
e... separados estamos.
Mas juntos sempre comungamos
a nobreza das nossas almas irmãs.
Mesmo que não nos encorajemos a desvendarmo-nos por inteiro;
mesmo se não nos refletirmos nos nossos umbigos;
mesmo que não nos seja permitido compartilharmos dos nossos sorrisos;
mesmo que se encarquilhem as nossas peles;
mesmo que tudo se encerre num silêncio sepulcral!
Nossa demanda será além túmulo!
E só caducará com nossos dedos entrelaçados
e nossos olhares não mais se desviarem...
na contra-mão.


PAISAGENS
Tem certas pessoas que passam pela vida da gente
como se fossem trechos de uma estrada
que nos leva de um ponto a outro.
Belas paisagens que, enquanto as vemos,
tentamos capturá-las daquele breve instante.
Mas no íntimo sabemos que elas estão nelas mesmas,
soberanas, serenas, despretenciosamente.
Por essas imagens ora cunhamos,
ora somos cunhados, alternadamente.
Sem sabermos sequer o instante em isto possa estar acontecendo.
Mas quando olhamos não mais para fora e sim para dentro,
descobrimos que, na nossa memória,
assim como aquelas imagens,
no nosso coração,
esses personagens,
alojaram-se definitivamente.

ALMAS GÊMEAS
Tem gestos que revelam,
Tem palavras que entregam,
Tem olhares que espelham,
As nossas almas gêmeas.
Por que não ficamos mais atentos a esses sinais manifestos?
Por que nos colocamos indiferentes a esses momentos sublimes?
Por que não nos damos à chance de vivenciarmos essa magia?
O tempo pode ser implacável ou pode ser nosso guia.
Uma lágrima verte-se com o êxtase da presença ou a solidão do que seria.
A ilusão é conselheira quando almejamos o alvo do que o nosso coração pedia.
Só quando elevamos a pálpebra é que notamos o raiar de um lindo dia.

Pas de Deux

Duas faces, duas partes.
Dura arte de serem unos.
Um par de olhos guiam os quatro,
um par de almas.
Simbiose múltipla,
Dois cadarços, um só laço
duas metades partidas.
Dois corações, um compasso,
numa cadência comedida.
Um espaço, dois pedaços
de um projeto de vida.


E ASSIM...

E assim levamos nós.
E assim lá vamos sós.
E assim pra nunca mais.
Nem todos os personagens,
nem sete mil léguas de viagens
me fazem ser distante de ti.
Por mais que me condenem,
a uma felicidade plena,
não abro mão de te ouvir.
Pois olho-te em todos os lugares,
nos clarões de todos os raios,
vejo o teu rosto debruçado em mim.
E assim forjamos os nós.
E assim cunhamos os anéis.
E assim ficamos nus.

E assim teimamos a dois.
E assim nos damos as mãos.
E assim a prosseguir...

TÍMPANOS
Meu coração palpita quando te vejo.
Luxúria, lascívia, desejo?!
Ou será a simples impossibilidade de tê-lo que me remete ao seu mundo,
pois de tudo que é palpável eu fujo,
me ancorando no porto de mim mesma.
Tornamo-nos intangíveis no couro dos nossos personagens
na mira de um punhal impreciso,
esculpindo as nossas múltiplas faces.
Em um contínuo movimento de uma difusa melodia
mas que no fim resultará numa bela e dodecafônica sinfonia:
será que a alcançará os nossos tímpanos?!

Primatas

Eu já fui poeta
Hoje, sou concreta.
Argamassa dura.
Antes, a palavra me inspirava,
Agora, o silêncio me atura.
A matéria-prima dos meus passos
São os desenhos dos primatas
Nas cavernas frias e escuras.
Que por milhares de anos se enfurnaram,
Mas produziram, firmes e claras,
As suas belas assinaturas.
Que um tenaz explorador aventureiro
Traga à luz esses lindos afrescos,
De uma alma... ancestral, tímida e pura.

SEM NEXO
Quero chegar ao seu lado,
quero ficar mais perto,
quero dizer-te palavras
sem nexo,
desconexas do seu contexto.
Chegar-me isenta do seu texto:
ensaiado, profano, pretexto,
forjado com todas as letras!
Sim, quero-te humano, cheio de cacoetes,
liberto, aberto, espontâneo, careta.
primário, rascunhado...
Desencorajado de seus papéis,
sem me chamar de querida,
apenas de amiga, ou...
de mulher.

VOLÚPIA VIRTUAL
Busco nos contornos das letras a silhueta do seu corpo.
Esboço no texto frases feitas,
procurando um consolo.
É a insignificância da palavra
perante a eloquência dos sentidos...
Como descrever um arrepio súbito?!
A frenética modernidade ignorando fronteiras,
não descarta a simplicidade que um coração anseia,
de um gesto, um toque, um cheiro,
um respirar ofegante,
com o ritmo pronunciado
de um peito inquietante:
um casal enamorado, com toda a sua sutil exuberância

MOEMA

Moema dos cabelos pretos,

Dos olhos castanhos,

Dos lábios sedentos.

Morena de temperamentos,

De sonhos contidos,

De modos incandescentes.

Gestos ensandecidos,

Coração inatingível,

Mas, a alma, condolência.

Permita-me a sua companhia,

De poder servir-te de guia,

Entretê-la.

De soprar-te lindas melodias,

Exaltar-te todos os dias da minha existência.

Que o enlace dos nossos caminhos
S
eja tarefa a mim conferida,

Penitência de uma vida inteira!

 

 

EU AMO A VIDA

Eu amo a vida!

Cada ida e vinda,

Nessa escada do dia a dia,

Que nos ensina, nos surpreende, nos instiga.

Em que um por um de nós se rende, as suas ironias,

E nos torna cativos reféns daquilo que chamamos destino...

Sem permissividade, sem pedir passagem, sem prévio aviso.

Eu amo a lida!

Nesse enorme turbilhão,

Desse rolo compressor,

De múltiplas esquinas.

De lágrimas e torpor,

De sangue e suor,

De enigmáticas magias.

Quero ser um mago,

Adivinhar cada passo

Dos meus próximos capítulos.

Quero me revestir de coragem ao me travestir de covarde por reconhecer meus erros.

Que os pequenos deslizes sejam os breves desacertos de grandes êxitos. Que os céus me velem.

Que os anjos me acolham...

Que seja leve.

 

CTI

Padeço de um mal sem cura,

A saudade me tortura,

A culpa me assola,

Por não ter-te acalentado até o fim;

Por não atender aos seus apelos da CTI:

Que clamaram pelo meu nome,

A todo instante,

E eu, distante, não te ouvi.

Você, que me pegou no colo,

Que me acolheu, no seu ombro,

Inúmeras tardes, para o meu consolo;

Que derramou muito do seu suor e lágrimas,Do parto, ao longo de toda

a trajetória,

Construindo a minha, ao bordar a sua estória,

Numa doação maternal e infinda;

Foi-se embora...

Sem o meu pranto,

Sem nenhum alento, sem acalanto,

Sem uma mão amiga por perto,

Como se tudo se esfumaçasse

E uma nuvem te envolvesse e te levasse,

Como se nada mais importasse,

Num usurpar dos nossos laços...

Que maldito agouro!

Que frieza perversa,

Dos que deveriam estar em alerta

E não estavam...

Para evitar esse trágico desenlace.

Ainda era cedo...

Mas o juízo final será implacável!

Abomináveis esses seres impávidos,

Com seus jalecos brancos, impecáveis

E de gestos tão escurecidos.

Um dia, há de ser chegada a hora,

De cada um dos que dessa mácula protagonizaram

E sentirão a dor que nada remedia:

E nem todo o sangue de uma hemorragia,

Que, dia a dia presenciam, será pouco,

Face a náusea de ver a sua progenitora,

Num leito, ir-se, pouco a pouco,

Perante a indignidade dos que ali deveriam

Honrar um juramento prometido,

Que não cumpriram...

E extirparem o bem mais valioso,

A vida!

E se verão, igualmente, privados

Do convívio...

Do afago, de um olhar, do toque, do aconchego,

Da sua melhor e mais altiva aliada,

Sem presenciarem o último suspiro.

 

DESCONCERTANTE

Tenho saudades do que não vivi;

Tenho vontade de ti.

Tento tirar-te do meu intento;

Quanto mais penso, mais peno:

O pesar das horas que passam,

Sem as pegadas dos teus passos,

Ao meu alcance,

Com o percalço do passo a passo,

De uma vida, num compasso entediante.

Pois só tu poderias

Aquecer, dia após dia,

Esse meu coração hesitante.

E trazer um fôlego revigorado

A minh’ alma, até então, naufragada,

Ancorando-a em solo firme e desconcertante.

 

A MINHA MÃE

Tanto tempo sombrio, tanta dor, quanto tormento,

Onde o amor era tão denso!

Quanto contra-senso!

Tantas conquistas, tantas vitórias,

Quanta coragem, tanta galhardia!

Sem medida, sem prumo, nem guarida,

Num rumo tão desconhecido,

Duas almas...

Tão próximas e tão díspares,

Tão nobres e erguidas,

Se quebram;

Numa queda abismal,

Como dois anjos caídos,

Com a saída súbita e sem aviso,

de uma delas...

Para um paraíso perdido,

Que somente a ela é merecido.

Pois, só um coração tão singelo, puro e magnânimo

Pôde aturar, ileso, as infâmias,

Desse tortuoso mundo.

E preservar-se, como um bicho panda,

Nas longínquas montanhas, tão mais próximas...

Do altar em que sua aura repousa,

Num descanso merecido.

 

CHEIO DE TI

Um fio de esperança,

Uma sutil lembrança,

Me faz refletir.

Um sorriso de criança,

Uma prece franciscana,

Me faz reagir.

Uma paz samaritana,

Uma ordem anglicana,

Invade a minha retina:

Quero a normalidade,

A natural simplicidade,

De um dia, cheio de ti.

 

POETA INVERTEBRADO

Romeiro d’alma.

Tropeiro sem tropa,

Trapaceando o destino vago,

Vagueando os prados, de horizontes apagados. Pastor de si mesmo,

Caçador de sonhos, irrealizados.

Presa no deserto,

Ceifeiro de cumes inalcançáveis.

Passageiro do mundo,

Que tem em seu rumo,

O universo decantado.

Escravo dos desejos,

Marinheiro de mares infindáveis.

Pregador de lábios serrados,

Um poeta invertebrado.

O TURISTA NO RIO
A indigência subdesenvolvida acuando legiões primeiromundistas...
Mas, nem de longe, tão implacável e previsível
quanto os ingleses na Ásia, os cowboys americanos,
ou os espanhóis e portugueses, nas chacinas dos índios.
Que falseta! Quanta ironia! Baionetas européias, no século XV
e, hoje, na favela carioca, escopetas e AR quinzes!
A terra é redonda, então, diziam.
E gira...
Num frenético movimento de expiação contígua:
o que se planta se colhe,
o que não se quer ver se molda, num cenário irreversível.
Rio a capital do ócio e do ofício!


DA ÁRVORE
Súbito a você me encaminho por ligeiros subterfúgios
Não assumo nem a ti, nem a mim mesma,
o que me atém ao ninho.
Como um umbigo hesitante,
diante do corte do cordão do nascituro.
Vejo-o e almejo-o,
numa visão panorâmica,
da copa da árvore mais frondosa,
do alto do meu posto:
quero me lançar como uma flecha,
alçar meu primeiro vôo,
atingir-te em cheio,
no meio,
como um mártire ansioso
para ver-se logo crivado
pelo desfecho esperado
de um descanso glorioso.

A SORTE
No deserto, minh'alma repousa em desconforto.
Na monotonia do cenário, o solo infértil, no marasmo me consome.
A amplidão a minha volta, aprisionada em meu peito,
no quadrante de um frio calabouço.
Antes era o mar revolto, vívido e pulsante,
cheio de sobressaltos, corais, conchas, cores vibrantes...
Hoje, poeira, seres vis, rastejantes,
enfurnados em suas tocas,
disfarçados,
numa superfície lisa, um imenso lençol branco.
Como descobrir, no meio do nada,
um atalho conciso e muito bem traçado,
com uma bússola irada, mirando a sorte grande?!
E um cavalheiro árabe me resgate em sua tenda,
com sua espada prateada, o seu tapete persa e o seu lindo turbante...


OS ANOS
Será que o tempo nos golpeia ou nos adula?
Será a maturidade indulgente ou insana,
por querer remediar os anos,
arremessar os panos nos corações desnudos?
Ponderação ou tortura?
Momentos memoráveis de então,
antes, fugazes em mil senões.
O frescor da idade nos absolvia.
Agora, a vontade imperiosa se insurge
diante do impasse do dia a dia
e do peso das horas que nos condena.
Hoje, cada segundo vale a pena.


M
Moro na mira do muro da minha alma.
Miro no muro da mina da minha rua.
Mimo a mira do morro da minha cidade.
Muro o mundo nos mares do meu país.


PENA
Quantos bustos nus, tantos!
Quantos corpos nos cantos.
Divinamente expostos, tacitamente gastos,
entranhas dilaceradas em silentes desabafos.
Quantos esforços em tantos pedaços!
Quantos destroços submersos.
Quantos olhares esperançosos,
no quadro caótico do universo.
Quantas esperas! Tantos fantasmas!
Quantas quimeras, em tantos orgasmos...
Enquanto navegas nos sonhos de outrora,
outras esferas fazem-se necessárias:
este mundo de hoje, este tempo do agora,
de medos, de sombras,
de pena, de aço.


ESTADO DE EMERGÊNCIA
O silêncio assola as ruas da cidade. Sua voz se cala.
O mundo, então, se revela pelas frestas;
o poder é manifesto.
O medo se instala nas entranhas daqueles que se rebelam ou daqueles que se acanham.
A lucidez desvairada dos que protestam despertam os olhares desatentos.
A consciência é um fato;
a mobilização o ato,
dos corações em chamas.

Morfina

Estou anestesiada.

Olho para o nada, o nada me olha.

Nado para o lado, não vejo o mar.

Olho para o fundo, vejo o lodo em mim.

Penso em ti; num segundo, já te esqueci.

Fixo o olho no crucifixo...

Sinto uma hemorragia a me consumir.

Olho para o olhar do santo,

Vejo nele o desencanto que vislumbra o meu porvir.

Peço aos meus sonhos: - não me abandonem!

Preciso amarrá-los aqui.

Muitas ondas a sacudir.

Uma bóia a me acudir!

Um candeeiro a reluzir!

– Morfina! Mais uma ampola!

Sedem-me, deixem-me rir!